domingo, 13 de dezembro de 2009


Um lugar no Vale


Progresso em 1938


Nesta semana estamos reproduzindo depoimento de leitor sobre o município de Progresso onde ele faz um relato de momento vivenciado há 71 anos. “Creio que era fevereiro de 1937 ou 1938, meu pai e familiares, entre eles eu com 8 a 9 anos, fomos de “auto de praça” de Lajeado até Vila Fão, que naquele tempo se chamava Bela Vista. Dali tomamos uma diligência que fazia a linha até Progresso, que naquele tempo se chamava Gramado. A diligência (igual às do filme do Zorro), era puxada por seis mulas. Seguimos serra acima, tendo que parar várias vezes e ajudar a empurrar a diligência, pois as mulas não conseguiam subir os terríveis aclives existentes. Aquela viagem e a novidade me convenceram que a profissão de boleeiro, seria um bom emprego para mim. Eu adorava livros de aventuras. Guardei na memória até hoje o nome do condutor, Ricardo Tomazzi. Á tarde chegamos à Progresso, hospedamo-nos no hotel do José Pretto, na esquina vis-a-vis à subprefeitura, que recebia hóspedes que iriam veranear naquela vila. As atrações eram a uva, os figos, o clima fresco e as paisagens agrestes, com um conforto mínimo. As casas eram quase todas de madeira vertical e cobertas por telhas de tabuinhas. Foi meu primeiro contato com região de colonizadores italianos. Lá ficamos dez dias. O subprefeito era também o subdelegado, Florisbelo Rodrigues França e tinha um filho da minha idade, chamado Odacy. Ele me introduziu no conhecimento das brincadeiras locais, diferentes para um filho da cidade de Lajeado, como eu era. Numa manhã, assisti a saída dos presos, da cadeia que era no porão da subprefeitura. Os presos iam a pé ao lado de uma pequena carreta chamada de galeota e puxada por um burrico. O capataz ia na carreta junto com as ferramentas de trabalho de estrada. Ele levava na mão uma açoiteira muito comprida, que servia para compelir o muar e os presos recalcitrantes, segundo informou-me o filho do subdelegado. A igreja estava quase pronta. O padre convidou meu pai, Mário Lampert, para tomar um cálice de vinho. O padre, muito gentil, também serviu um para mim. Lembro que o padre gozava de grande consideração. Em frente da igreja e um pouco à esquerda, tinha uma cantina de vinho, uma novidade para mim. O dono também era um Pretto. Guardei para sempre aquele cheiro. Também se fabricavam pipas e barris ali. No hotel, por ocasião do carnaval, houve um baile infantil, de tarde. Quando entrei, tive medo. Todos os meninos estavam com o rosto mascarado com riscos negros. Uma novidade e um susto para mim. Custei para descobrir quem era o meu amigo. Na rua de acesso que desembocava no hotel, num pequeno matadouro, vi de perto, pela primeira vez, abaterem uma cabeça de gado. Fiquei horrorizado. Estranhei muito que o magarefe cortou a jugular do boi com uma faca, tendo na outra mão uma chaira. Devia ser comum no hotel abater animais para consumo da família e hóspedes. Assisti ao sacrifício de um porco no pátio do hotel. Duas pessoas seguravam a vítima de barriga para cima. Um terceiro espetou-lhe uma faca no pescoço. Num arranco, o animal livrou-se dos que o seguravam e disparou rua afora sangrando e aos guinchos, alertando e divertindo toda a vizinhança que acompanhava a cena em gargalhadas. Foi perseguido de perto e finalmente alcançado para cumprir o seu destino. Perguntei pelos veículos a motor e fui informado que um automóvel ja havia chegado a Progresso. Tinha sido o de um médico de Boqueirão do Leão, de nome Dr. Storck. Depois disso nenhum outro. Um fato jocoso: quando as mulas paravam para descansar, “naquela” posição constrangedora, faziam xixi, todas ao mesmo tempo Inesquecível. Alício soube que você está fazendo uma série de reportagens sobre "Um lugar no Vale" e lembrei-me deste relato em que conto o passado de Progresso visto por um menino ha mais de 70 anos.
Leandro Lampert
Historiador e genealogista

Um comentário:

  1. Satisfação muito grande encontrar um relato como esse citando parte da história de meu avô Florisbelo e meu tio Odaci R França.
    Abraço ao Sr. Lampert.
    Assinado Luis Carlos P França.

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